TE INTERESSA
O FIM DO MUNDO?

Vivian Whiteman
Dizem que vai acabar, não tem mais jeito.

Ou tem, mas é complicado, provavelmente não dê certo. Além disso, haveria necessidade de grande disposição, e grande disposição parece que não há porque, afinal, dizem que vai acabar, não tem mais jeito, já deve ter acabado.

O fim do mundo como futuro não faz sentido. Quer dizer, se está lá, o resto se torna só um jeito de fazer acontecer. Um pouco de drama, um pouco chorar na cama e la nave va. O caminho até lá só pode piorar, como um corpo que se aproxima demais do sol sente tudo derreter. Não se espera que a estrada para o fim do mundo seja boa. Depressão, bilhão, medo, solidão e comida sabor microplástico.

Que o mundo vá acabar implica que se queira viver a todo vapor, passando por cima de quem quer que seja. Não há muita etiqueta que resista ao fim do mundo. Proibiriam a solidariedade se ainda fosse necessário, mas a adesão é cada vez mais baixa, o roteiro é consistente.

Massacre e fogos de artifício barulhentos. É aí que você quer escrever seu nome?

Não te convidaram para essa festa pobre, para o after doom? Também não recebi o convite, e está decidido: se acaso chegar, não vou. Eles que se acabem.

Filósofos desses dias, ou nem tanto, físicos de todas as horas e escutadores de algumas sortes estão me chamando para ir ali. Ali  onde a coisa toda faz a curva, as curvas, não sei bem, não sou tão esperta, mas sei onde me sinto bem. Ali onde não tem fim do mundo nem anti-fim do mundo.

Quero ir ali no passado-a-se-fazer, ali onde o fim do mundo não é o centro organizador, a referência, o grande hino condenado.

Não sei como nos convenceram disso, dessa ideia de fim do mundo. Quem já viu as listas dos donos de quase tudo sabe que eles estão tornando as coisas tanto mais óbvias quanto mais difíceis. De qualquer forma, não se pode ignorar que são pouquíssimos, é como se segurassem um alvo, tamanha a certeza cultivada de que não passamos de moscas acostumadas à altura do pote. Sobre moscas criadas num pote: depois de acostumadas você pode abrir que elas não voam, diz um experimento. Mas nós voamos, não voamos? Com asas melhores.


O fim do mundo como futuro é só mais um nome gasto da barbárie. Não há estrelas nem heróis possíveis, não há sequer vilões que valham o nome, só um batalhão cansado e agitadores desprovidos de qualquer talento para a vida, para a beleza, para o movimento. Gente em linha reta.



Nos organizamos. Muitas das vozes que se levantam não jogam boas palavras fora. São viajantes pé no chão que nos chamam para o futuro ancestral, para um passado complexo onde ainda sempre podemos. Os sonhadores falam sério, e em geral têm um humor criativo para novidades sem desperdício. Sabem mexer com bons excessos, isso é certo.

Eu que não entrego mais minhas forças ao fim do mundo, não mexo uma palha, não boto um centavo que seja. Negócio sem graça nenhuma.

Aliás, quem quiser saber para onde foi uma porrada de ânimo, parte da vontade, os braços estendidos, uma certa disposição, pode muito bem descobrir que está quase tudo lá, sequestrado, apreendido nos depósitos do fim do mundo. É importante reaver cada gota válida.

Nem mais um passo nessa direção. O fim do mundo já era. Só me interessa o começo que fura o avesso.


Gaveta
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VAZIO/ Void/ Vide/ Vacío
Setembro/2023
Tuesday Oct 5 2021